Decreto Inter Mirifica – Sobre os meios de comunicação (Fr. Marcos Matsubara, ocd)

02/09/2012 08:45

Decreto Inter Mirifica – Sobre os meios de comunicação

Frei Marcos Matsubara, ocd

 

“O reto exercício da comunicação exige, todavia, que a comunicação, no seu conteúdo, seja sempre verdadeira e, resguardadas a justiça e a caridade, íntegra, “Evangelizar neste novo continente sem fronteiras geográficas significa estabelecer um profundo diálogo do Evangelho com a cultura midiática”

 

Todo ser humano é fruto da comunicação. Em primeiro lugar, da comunicação do amor de Deus que nos criou e nos comunicou (e continua comunicando) o seu amor de várias formas, a começar pelo fato de estarmos vivos e participarmos desta magnífica experiência da aventura humana... Só o fato de estarmos aqui já é, por si, expressão da comunicação de uma grande graça divina.  Quem neste mundo escolheu nascer ou existir?  Se vivemos é porque Deus, no seu desígnio misterioso, assim o quis. Contudo, o Senhor, que  jamais impôs limites à sua comunicação de amor, nos deu muito mais e podemos dizer, sem sombra de dúvida, que a maior comunicação do amor de Deus se deu em seu Filho Jesus Cristo.  É assombroso o amor que Deus nos comunicou em Jesus.  Se Jesus não tivesse estado entre nós, nunca teríamos  entendido a Deus... Como  poderíamos nós, tão pequenos e frágeis entender  a grandiosidade de Deus não fosse pelos gestos humanos carregados de amor divino, comunicados por Jesus?   Em outras palavras, Deus, na sua infinita benevolência, quis comunicar-se plenamente com a humanidade e sua maior expressão  de comunicação do amor é seu próprio Filho Jesus.  Um dia, “o Verbo se fez Carne  e habitou entre nós”...   Lembremos das palavras de São João da Cruz, um carmelita descalço apaixonado  por Deus:  “Deus nos deu o seu Filho, que é a sua Palavra única (e outra não há) , tudo nos falou de uma vez nessa Palavra, e nada mais tem para falar” (2S 22,3)

Mas para além desta  divina comunicação do amor,  cada um de nós é também fruto da comunicação do amor entre um homem e uma mulher;  somos fruto igualmente  da comunicação do amor de uma família, do grupo social em que vivemos, da nossa cultura...   Pensemos bem:  o ser humano é um ser comunicacional.  Somos humanos porque nos comunicamos. Vejamos o exemplo de uma cadela que acabou de ter uma ninhada de filhotinhos. Se, por acaso, eu separar um dos filhotes do restante da ninhada e criá-lo isoladamente, ainda sim ele vai crescer um cachorro, talvez com algumas pequenas diferenças  porque foi afastado  do convívio dos demais... mas ainda será um cachorro.    Com o ser humano isso não acontece.   Se isolarmos uma criança recém-nascida do convívio dos demais seres humanos ela “deixará” de ser humana.  Não vai aprender a falar, porque isso aprendemos  com os outros; nem vai aprender a pensar ou raciocinar porque esta capacidade precisa ser desenvolvida  ao longo dos anos no contato com as pessoas e  talvez nem ande sobre duas pernas  porque isso também aprendemos  na nossa infância.  Resumindo: sem comunicação não há  vida  plena  e não poderia ser diferente, afinal de contas  todos sabemos que o amor é comunicação. Deus é amor e nos comunica o seu amor...  Dependemos da comunicação  para sermos plenamente humanos. 

Certa vez, eu estava pregando um retiro para as irmãs carmelitas descalças  num mosteiro  em Minas Gerais e dizia que o amor é comunicativo e se numa comunidade ou família não houver comunicação (e aqui podemos  enumerar as várias expressões de comunicação relacional como diálogo, expressões de afeto, atenção, gestos de  gentileza...) não haverá da mesma forma amor entre seus membros. Então podemos dizer que  o termômetro do amor é a comunicação.  Uma família que se ama também sabe se comunicar, como também numa comunidade religiosa em que não há comunicação entre os seus membros, não há verdadeiramente o amor.

 

Se, por um lado,  sabemos  que a comunicação é um elemento importante na vida das pessoas,  devemos também atentar para o fato de que toda comunicação precisa ser realizada da maneira mais verdadeira possível. Toda comunicação precisa levar a verdade de modo que quem comunica precisa respeitar aquele que vai receber sua mensagem em seu direito legítimo de receber uma comunicação fidedigna.

Há praticamente cinquenta anos atrás, (quando eu acabava de nascer) a Igreja vivia um momento especial e estava celebrando o Concílio Vaticano II,  que foi, por assim dizer, um novo Pentecostes vivido  por todo o Povo de Deus. O Concílio Vaticano II foi responsável por mudanças importantíssimas no seio da igreja, atualizações urgentes, transformações necessárias. Os mais velhos devem lembrar da época em que as missas eram celebradas com o padre de costas para o povo  numa língua (o latim) que quase ninguém mais entendia...  E, durante o Concílio (realizado entre 1962 e 1965) foi elaborado um Documento muito importante sobre a relação da Igreja e os Meios de Comunicação Social é o chamado decreto “”Inter Mirífica”,  objeto da nossa reflexão de hoje nesta novena . A expressão latina “Inter Mirífica” traduzida em português seria  algo como “Entre as maravilhas”. Que maravilhas são estas? As maravilhas da tecnologia de nossos dias...  A comunicação é realizada nos dias atuais por meios cada vez mais eficientes, poderosos, rápidos e criativos. Entre as maravilhas do mundo atual nós caminhamos tantas vezes, estupefatos, surpresos, atônitos porque novas possibilidades se nos apresentam e questionam... Cinquenta anos atrás a Igreja já estava atenta à necessidade urgente de sabermos usar estes novos recursos para evangelizar.

“O decreto Inter Mirifica é o segundo dos dezesseis documentos publicados pelo Vaticano II. Aprovado a 4 de dezembro de 1963, assinala a primeira vez que um concílio geral da Igreja se volta para a questão da comunicação.(...). Pela primeira vez , um documento universal da Igreja assegura a obrigação e o direito de ela utilizar os instrumentos de comunicação social. Além disso, o Inter Mirifica também apresenta a primeira orientação geral da Igreja para o clero e para os leigos sobre o emprego dos meios de comunicação social. Havia agora uma posição oficial da Igreja sobre o assunto:

A Igreja Católica, tendo sido constituída por Cristo Nosso Senhor, a fim de levar a salvação a todos os homens e, por isso, impelida pela necessidade de evangelizar, considera como sua obrigação pregar a mensagem de salvação, também com o recurso dos instrumentos de comunicação social, e ensinar aos homens seu correto uso. Portanto, pertence à Igreja o direito natural de empregar e possuir toda sorte desses instrumentos, enquanto necessários e úteis à educação cristã e a toda a sua obra de salvação das almas.(IM 3).

O documento refere-se aos instrumentos de comunicação, tais como imprensa, cinema, rádio, televisão e outros meios semelhantes, que também podem ser propriamente classificados como meios de comunicação social (IM 1). A maior contribuição do Inter Mirifica, no entanto, foi sua assertiva sobre o direito de informação:

É intrínseco à sociedade humana o direito à informação sobre aqueles assuntos que interessam aos homens e às mulheres, quer tomados individualmente, quer reunidos em sociedade, conforme as condições de cada um (IM 5).

Considerando provavelmente como a mais importante declaração do documento, este trecho demonstra que o direito à informação foi visto pela Igreja não como um objeto de interesses comerciais, mas como um bem social.

 

Fonte:www.paulinas.org.br/sepac/.../intermirifica.aspx