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Segunda-feira, 17 de outubro de 2011, 09h51

Carta Apostólica Porta Fidei, de Bento XVI, sobre o Ano da Fé

vatican.va


Carta Apostólica sob forma de Motu Proprio
Porta Fidei

com a qual se proclama o Ano da Fé (out/2012 - out/2013)

 

1. A PORTA DA FÉ (cf. Act 14, 27), que introduz na vida de comunhão com Deus e permite a entrada na sua Igreja, está sempre aberta para nós. É possível cruzar este limiar, quando a Palavra de Deus é anunciada e o coração se deixa plasmar pela graça que transforma. Atravessar aquela porta implica embrenhar-se num caminho que dura a vida inteira. Este caminho tem início com o Baptismo (cf. Rm 6, 4), pelo qual podemos dirigir-nos a Deus com o nome de Pai, e está concluído com a passagem através da morte para a vida eterna, fruto da ressurreição do Senhor Jesus, que, com o dom do Espírito Santo, quis fazer participantes da sua própria glória quantos crêem n’Ele (cf. Jo 17, 22). Professar a fé na Trindade – Pai, Filho e Espírito Santo – equivale a crer num só Deus que é Amor (cf. 1 Jo 4, 8): o Pai, que na plenitude dos tempos enviou seu Filho para a nossa salvação; Jesus Cristo, que redimiu o mundo no mistério da sua morte e ressurreição; o Espírito Santo, que guia a Igreja através dos séculos enquanto aguarda o regresso glorioso do Senhor.

2. Desde o princípio do meu ministério como Sucessor de Pedro, lembrei a necessidade de redescobrir o caminho da fé para fazer brilhar, com evidência sempre maior, a alegria e o renovado entusiasmo do encontro com Cristo. Durante a homilia da Santa Missa no início do pontificado, disse: «A Igreja no seu conjunto, e os Pastores nela, como Cristo devem pôr-se a caminho para conduzir os homens fora do deserto, para lugares da vida, da amizade com o Filho de Deus, para Aquele que dá a vida, a vida em plenitude» (Homilia no início do ministério petrino do Bispo de Roma, (24 de Abril de 2005): AAS 97 (2005), 710). Sucede não poucas vezes que os cristãos sintam maior preocupação com as consequências sociais, culturais e políticas da fé do que com a própria fé, considerando esta como um pressuposto óbvio da sua vida diária. Ora um tal pressuposto não só deixou de existir, mas frequentemente acaba até negado (Cf. Bento XVI, Homilia da Santa Missa no Terreiro do Paço (Lisboa – 11 de Maio de 2010): L’Osservatore Romano (ed. port. de 15/V/2010), 3.). Enquanto, no passado, era possível reconhecer um tecido cultural unitário, amplamente compartilhado no seu apelo aos conteúdos da fé e aos valores por ela inspirados, hoje parece que já não é assim em grandes sectores da sociedade devido a uma profunda crise de fé que atingiu muitas pessoas.

3. Não podemos aceitar que o sal se torne insípido e a luz fique escondida (cf. Mt 5, 13-16). Também o homem contemporâneo pode sentir de novo a necessidade de ir como a samaritana ao poço, para ouvir Jesus que convida a crer n’Ele e a beber na sua fonte, donde jorra água viva (cf. Jo 4, 14). Devemos readquirir o gosto de nos alimentarmos da Palavra de Deus, transmitida fielmente pela Igreja, e do Pão da vida, oferecidos como sustento de quantos são seus discípulos (cf. Jo 6, 51). De facto, em nossos dias ressoa ainda, com a mesma força, este ensinamento de Jesus: «Trabalhai, não pelo alimento que desaparece, mas pelo alimento que perdura e dá a vida eterna» (Jo 6, 27). E a questão, então posta por aqueles que O escutavam, é a mesma que colocamos nós também hoje: «Que havemos nós de fazer para realizar as obras de Deus?» (Jo 6, 28). Conhecemos a resposta de Jesus: «A obra de Deus é esta: crer n’Aquele que Ele enviou» (Jo 6, 29). Por isso, crer em Jesus Cristo é o caminho para se poder chegar definitivamente à salvação.

4. À luz de tudo isto, decidi proclamar um Ano da Fé. Este terá início a 11 de Outubro de 2012, no cinquentenário da abertura do Concílio Vaticano II, e terminará na Solenidade de Nosso Senhor Jesus Cristo Rei do Universo, a 24 de Novembro de 2013. Na referida data de 11 de Outubro de 2012, completar-se-ão também vinte anos da publicação do Catecismo da Igreja Católica, texto promulgado pelo meu Predecessor, o Beato Papa João Paulo II, (Cf. João Paulo II, Const. ap. Fidei depositum (11 de Outubro de 1992): AAS 86 (1994), 113-118) com o objetivo de ilustrar a todos os fiéis a força e a beleza da fé. Esta obra, verdadeiro fruto do Concílio Vaticano II, foi desejada pelo Sínodo Extraordinário dos Bispos de 1985 como instrumento ao serviço da catequese (Cf. Relação final do Sínodo Extraordinário dos Bispos (7 de Dezembro de 1985), II, B, a, 4: L’Osservatore Romano (ed. port. de 22/XII/1985), 650) e foi realizado com a colaboração de todo o episcopado da Igreja Católica. E uma Assembleia Geral do Sínodo dos Bispos foi convocada por mim, precisamente para o mês de Outubro de 2012, tendo por tema A nova evangelização para a transmissão da fé cristã. Será uma ocasião propícia para introduzir o complexo eclesial inteiro num tempo de particular reflexão e redescoberta da fé. Não é a primeira vez que a Igreja é chamada a celebrar um Ano da Fé. O meu venerado Predecessor, o Servo de Deus Paulo VI, proclamou um semelhante, em 1967, para comemorar o martírio dos apóstolos Pedro e Paulo no décimo nono centenário do seu supremo testemunho. Idealizou-o como um momento solene, para que houvesse, em toda a Igreja, «uma autêntica e sincera profissão da mesma fé»; quis ainda que esta fosse confirmada de maneira «individual e colectiva, livre e consciente, interior e exterior, humilde e franca» (Paulo VI, Exort. ap. Petrum et Paulum Apostolos, no XIX centenário do martírio dos Apóstolos São Pedro e São Paulo (22 de Fevereiro de 1967): AAS 59 (1967), 196). Pensava que a Igreja poderia assim retomar «exacta consciência da sua fé para a reavivar, purificar, confirmar, confessar» (Ibid.: o.c., 198.). As grandes convulsões, que se verificaram naquele Ano, tornaram ainda mais evidente a necessidade duma tal celebração. Esta terminou com a Profissão de Fé do Povo de Deus, (Paulo VI, Profissão Solene de Fé, Homilia durante a Concelebração por ocasião do XIX centenário do martírio dos Apóstolos São Pedro e São Paulo, no encerramento do «Ano da Fé» (30 de Junho de 1968): AAS 60 (1968), 433-445) para atestar como os conteúdos essenciais, que há séculos constituem o património de todos os crentes, necessitam de ser confirmados, compreendidos e aprofundados de maneira sempre nova para se dar testemunho coerente deles em condições históricas diversas das do passado.

5. Sob alguns aspectos, o meu venerado Predecessor viu este Ano como uma «consequência e exigência pós-conciliar» (Paulo VI, Audiência Geral (14 de Junho de 1967): Insegnamenti V (1967), 801), bem ciente das graves dificuldades daquele tempo sobretudo no que se referia à profissão da verdadeira fé e da sua recta interpretação. Pareceu-me que fazer coincidir o início do Ano da Fé com o cinquentenário da abertura do Concílio Vaticano II poderia ser uma ocasião propícia para compreender que os textos deixados em herança pelos Padres Conciliares, segundo as palavras do Beato João Paulo II, «não perdem o seu valor nem a sua beleza. É necessário fazê-los ler de forma tal que possam ser conhecidos e assimilados como textos qualificados e normativos do Magistério, no âmbito da Tradição da Igreja. Sinto hoje ainda mais intensamente o dever de indicar o Concílio como a grande graça de que beneficiou a Igreja no século XX: nele se encontra uma bússola segura para nos orientar no caminho do século que começa» (João Paulo II, Carta ap. Novo millennio ineunte (6 de Janeiro de 2001), 57: AAS 93 (2001), 308). Quero aqui repetir com veemência as palavras que disse a propósito do Concílio poucos meses depois da minha eleição para Sucessor de Pedro: «Se o lermos e recebermos guiados por uma justa hermenêutica, o Concílio pode ser e tornar-se cada vez mais uma grande força para a renovação sempre necessária da Igreja» (Discurso à Cúria Romana, (22 de Dezembro de 2005): AAS 98 (2006), 52).

6. A renovação da Igreja realiza-se também através do testemunho prestado pela vida dos crentes: de facto, os cristãos são chamados a fazer brilhar, com a sua própria vida no mundo, a Palavra de verdade que o Senhor Jesus nos deixou. O próprio Concílio, na Constituição dogmática Lumen Gentium, afirma: «Enquanto Cristo “santo, inocente, imaculado” (Heb 7, 26), não conheceu o pecado (cf. 2 Cor 5, 21), mas veio apenas expiar os pecados do povo (cf. Heb 2, 17), a Igreja, contendo pecadores no seu próprio seio, simultaneamente santa e sempre necessitada de purificação, exercita continuamente a penitência e a renovação. A Igreja “prossegue a sua peregrinação no meio das perseguições do mundo e das consolações de Deus”, anunciando a cruz e a morte do Senhor até que Ele venha (cf. 1 Cor 11, 26). Mas é robustecida pela força do Senhor ressuscitado, de modo a vencer, pela paciência e pela caridade, as suas aflições e dificuldades tanto internas como externas, e a revelar, velada mas fielmente, o seu mistério, até que por fim se manifeste em plena luz» (Conc. Ecum. Vat. II, Const. dogm. sobre a Igreja Lumen Gentium, 8).

Nesta perspectiva, o Ano da Fé é convite para uma autêntica e renovada conversão ao Senhor, único Salvador do mundo. No mistério da sua morte e ressurreição, Deus revelou plenamente o Amor que salva e chama os homens à conversão de vida por meio da remissão dos pecados (cf. Act 5, 31). Para o apóstolo Paulo, este amor introduz o homem numa vida nova: «Pelo Baptismo fomos sepultados com Ele na morte, para que, tal como Cristo foi ressuscitado de entre os mortos pela glória do Pai, também nós caminhemos numa vida nova» (Rm 6, 4). Em virtude da fé, esta vida nova plasma toda a existência humana segundo a novidade radical da ressurreição. Na medida da sua livre disponibilidade, os pensamentos e os afectos, a mentalidade e o comportamento do homem vão sendo pouco a pouco purificados e transformados, ao longo de um itinerário jamais completamente terminado nesta vida. A «fé, que actua pelo amor» (Gl 5, 6), torna-se um novo critério de entendimento e de acção, que muda toda a vida do homem (cf. Rm 12, 2; Cl 3, 9-10; Ef 4, 20-29; 2 Cor 5, 17).

7. «Caritas Christi urget nos– o amor de Cristo nos impele» (2 Cor 5, 14): é o amor de Cristo que enche os nossos corações e nos impele a evangelizar. Hoje, como outrora, Ele envia-nos pelas estradas do mundo para proclamar o seu Evangelho a todos os povos da terra (cf. Mt 28, 19). Com o seu amor, Jesus Cristo atrai a Si os homens de cada geração: em todo o tempo, Ele convoca a Igreja confiando-lhe o anúncio do Evangelho, com um mandato que é sempre novo. Por isso, também hoje é necessário um empenho eclesial mais convicto a favor duma nova evangelização, para descobrir de novo a alegria de crer e reencontrar o entusiasmo de comunicar a fé. Na descoberta diária do seu amor, ganha força e vigor o compromisso missionário dos crentes, que jamais pode faltar. Com efeito, a fé cresce quando é vivida como experiência de um amor recebido e é comunicada como experiência de graça e de alegria. A fé torna-nos fecundos, porque alarga o coração com a esperança e permite oferecer um testemunho que é capaz de gerar: de facto, abre o coração e a mente dos ouvintes para acolherem o convite do Senhor a aderir à sua Palavra a fim de se tornarem seus discípulos. Os crentes – atesta Santo Agostinho – «fortificam-se acreditando» (De utilitate credendi, 1, 2). O Santo Bispo de Hipona tinha boas razões para falar assim. Como sabemos, a sua vida foi uma busca contínua da beleza da fé enquanto o seu coração não encontrou descanso em Deus (Cf. Confissões, 1, 1). Os seus numerosos escritos, onde se explica a importância de crer e a verdade da fé, permaneceram até aos nossos dias como um património de riqueza incomparável e consentem ainda a tantas pessoas à procura de Deus de encontrarem o justo percurso para chegar à «porta da fé».

Por conseguinte, só acreditando é que a fé cresce e se revigora; não há outra possibilidade de adquirir certeza sobre a própria vida, senão abandonar-se progressivamente nas mãos de um amor que se experimenta cada vez maior porque tem a sua origem em Deus.

8. Nesta feliz ocorrência, pretendo convidar os Irmãos Bispos de todo o mundo para que se unam ao Sucessor de Pedro, no tempo de graça espiritual que o Senhor nos oferece, a fim de comemorar o dom precioso da fé. Queremos celebrar este Ano de forma digna e fecunda. Deverá intensificar-se a reflexão sobre a fé, para ajudar todos os crentes em Cristo a tornarem mais consciente e revigorarem a sua adesão ao Evangelho, sobretudo num momento de profunda mudança como este que a humanidade está a viver. Teremos oportunidade de confessar a fé no Senhor Ressuscitado nas nossas catedrais e nas igrejas do mundo inteiro, nas nossas casas e no meio das nossas famílias, para que cada um sinta fortemente a exigência de conhecer melhor e de transmitir às gerações futuras a fé de sempre. Neste Ano, tanto as comunidades religiosas como as comunidades paroquiais e todas as realidades eclesiais, antigas e novas, encontrarão forma de fazer publicamente profissão do Credo.

9. Desejamos que este Ano suscite, em cada crente, o anseio de confessar a fé plenamente e com renovada convicção, com confiança e esperança. Será uma ocasião propícia também para intensificar a celebração da fé na liturgia, particularmente na Eucaristia, que é «a meta para a qual se encaminha a acção da Igreja e a fonte de onde promana toda a sua força» (Conc. Ecum. Vat. II, Const. sobre a Sagrada Liturgia Sacrosanctum Concilium, 10). Simultaneamente esperamos que o testemunho de vida dos crentes cresça na sua credibilidade. Descobrir novamente os conteúdos da fé professada, celebrada, vivida e rezada (Cf. João Paulo II, Const. ap. Fidei depositum (11 de Outubro de 1992): AAS 86 (1994), 116) e reflectir sobre o próprio acto com que se crê, é um compromisso que cada crente deve assumir, sobretudo neste Ano.

Não foi sem razão que, nos primeiros séculos, os cristãos eram obrigados a aprender de memória o Credo. É que este servia-lhes de oração diária, para não esquecerem o compromisso assumido com o Baptismo. Recorda-o, com palavras densas de significado, Santo Agostinho quando afirma numa homilia sobre a redditio symboli (a entrega do Credo): «O símbolo do santo mistério, que recebestes todos juntos e que hoje proferistes um a um, reúne as palavras sobre as quais está edificada com solidez a fé da Igreja, nossa Mãe, apoiada no alicerce seguro que é Cristo Senhor. E vós recebeste-lo e proferiste-lo, mas deveis tê-lo sempre presente na mente e no coração, deveis repeti-lo nos vossos leitos, pensar nele nas praças e não o esquecer durante as refeições; e, mesmo quando o corpo dorme, o vosso coração continue de vigília por ele» (Sermo 215, 1).

10. Queria agora delinear um percurso que ajude a compreender de maneira mais profunda os conteúdos da fé e, juntamente com eles, também o acto pelo qual decidimos, com plena liberdade, entregar-nos totalmente a Deus. De facto, existe uma unidade profunda entre o acto com que se crê e os conteúdos a que damos o nosso assentimento. O apóstolo Paulo permite entrar dentro desta realidade quando escreve: «Acredita-se com o coração e, com a boca, faz-se a profissão de fé» (Rm 10, 10). O coração indica que o primeiro acto, pelo qual se chega à fé, é dom de Deus e acção da graça que age e transforma a pessoa até ao mais íntimo dela mesma.

A este respeito é muito eloquente o exemplo de Lídia. Narra São Lucas que o apóstolo Paulo, encontrando-se em Filipos, num sábado foi anunciar o Evangelho a algumas mulheres; entre elas, estava Lídia. «O Senhor abriu-lhe o coração para aderir ao que Paulo dizia» (Act 16, 14). O sentido contido na expressão é importante. São Lucas ensina que o conhecimento dos conteúdos que se deve acreditar não é suficiente, se depois o coração – autêntico sacrário da pessoa – não for aberto pela graça, que consente de ter olhos para ver em profundidade e compreender que o que foi anunciado é a Palavra de Deus.

Por sua vez, o professar com a boca indica que a fé implica um testemunho e um compromisso públicos. O cristão não pode jamais pensar que o crer seja um facto privado. A fé é decidir estar com o Senhor, para viver com Ele. E este «estar com Ele» introduz na compreensão das razões pelas quais se acredita. A fé, precisamente porque é um acto da liberdade, exige também assumir a responsabilidade social daquilo que se acredita. No dia de Pentecostes, a Igreja manifesta, com toda a clareza, esta dimensão pública do crer e do anunciar sem temor a própria fé a toda a gente. É o dom do Espírito Santo que prepara para a missão e fortalece o nosso testemunho, tornando-o franco e corajoso.

A própria profissão da fé é um acto simultaneamente pessoal e comunitário. De facto, o primeiro sujeito da fé é a Igreja. É na fé da comunidade cristã que cada um recebe o Baptismo, sinal eficaz da entrada no povo dos crentes para obter a salvação. Como atesta o Catecismo da Igreja Católica, «“Eu creio”: é a fé da Igreja, professada pessoalmente por cada crente, principalmente por ocasião do Baptismo. “Nós cremos”: é a fé da Igreja, confessada pelos bispos reunidos em Concílio ou, de modo mais geral, pela assembleia litúrgica dos crentes. “Eu creio”: é também a Igreja, nossa Mãe, que responde a Deus pela sua fé e nos ensina a dizer: “Eu creio”, “Nós cremos”» (Catecismo da Igreja Católica, 167).

Como se pode notar, o conhecimento dos conteúdos de fé é essencial para se dar o próprio assentimento, isto é, para aderir plenamente com a inteligência e a vontade a quanto é proposto pela Igreja. O conhecimento da fé introduz na totalidade do mistério salvífico revelado por Deus. Por isso, o assentimento prestado implica que, quando se acredita, se aceita livremente todo o mistério da fé, porque o garante da sua verdade é o próprio Deus, que Se revela e permite conhecer o seu mistério de amor (Cf. Conc. Ecum. Vat. I, Const. dogm. sobre a fé católica Dei Filius, cap. III: DS 3008-3009; Conc. Ecum. Vat. II, Const. dogm. sobre a Revelação divina Dei Verbum, 5)

Por outro lado, não podemos esquecer que, no nosso contexto cultural, há muitas pessoas que, embora não reconhecendo em si mesmas o dom da fé, todavia vivem uma busca sincera do sentido último e da verdade definitiva acerca da sua existência e do mundo. Esta busca é um verdadeiro «preâmbulo» da fé, porque move as pessoas pela estrada que conduz ao mistério de Deus. De facto, a própria razão do homem traz inscrita em si mesma a exigência «daquilo que vale e permanece sempre» (Bento XVI, Discurso no «Collège des Bernardins» (Paris, 12 de Setembro de 2008): AAS 100 (2008), 722). Esta exigência constitui um convite permanente, inscrito indelevelmente no coração humano, para se pôr a caminho ao encontro d’Aquele que não teríamos procurado se Ele não tivesse já vindo ao nosso encontro (Cf. Santo Agostinho, Confissões, 13, 1). É precisamente a este encontro que nos convida e abre plenamente a fé.

11. Para chegar a um conhecimento sistemático da fé, todos podem encontrar um subsídio precioso e indispensável no Catecismo da Igreja Católica. Este constitui um dos frutos mais importantes do Concílio Vaticano II. Na Constituição Apostólica Fidei depositum – não sem razão assinada na passagem do trigésimo aniversário da abertura do Concílio Vaticano II – o Beato João Paulo II escrevia: «Este catecismo dará um contributo muito importante à obra de renovação de toda a vida eclesial (...). Declaro-o norma segura para o ensino da fé e, por isso, instrumento válido e legítimo ao serviço da comunhão eclesial» (João Paulo II, Const. ap. Fidei depositum (11 de Outubro de 1992): AAS 86 (1994), 115 e 117).

É precisamente nesta linha que o Ano da Fé deverá exprimir um esforço generalizado em prol da redescoberta e do estudo dos conteúdos fundamentais da fé, que têm no Catecismo da Igreja Católica a sua síntese sistemática e orgânica. Nele, de facto, sobressai a riqueza de doutrina que a Igreja acolheu, guardou e ofereceu durante os seus dois mil anos de história. Desde a Sagrada Escritura aos Padres da Igreja, desde os Mestres de teologia aos Santos que atravessaram os séculos, o Catecismo oferece uma memória permanente dos inúmeros modos em que a Igreja meditou sobre a fé e progrediu na doutrina para dar certeza aos crentes na sua vida de fé.

Na sua própria estrutura, o Catecismo da Igreja Católica apresenta o desenvolvimento da fé até chegar aos grandes temas da vida diária. Repassando as páginas, descobre-se que o que ali se apresenta não é uma teoria, mas o encontro com uma Pessoa que vive na Igreja. Na verdade, a seguir à profissão de fé, vem a explicação da vida sacramental, na qual Cristo está presente e operante, continuando a construir a sua Igreja. Sem a liturgia e os sacramentos, a profissão de fé não seria eficaz, porque faltaria a graça que sustenta o testemunho dos cristãos. Na mesma linha, a doutrina do Catecismo sobre a vida moral adquire todo o seu significado, se for colocada em relação com a fé, a liturgia e a oração.

12. Assim, no Ano em questão, o Catecismo da Igreja Católica poderá ser um verdadeiro instrumento de apoio da fé, sobretudo para quantos têm a peito a formação dos cristãos, tão determinante no nosso contexto cultural. Com tal finalidade, convidei a Congregação para a Doutrina da Fé a redigir, de comum acordo com os competentes Organismos da Santa Sé, uma Nota, através da qual se ofereçam à Igreja e aos crentes algumas indicações para viver, nos moldes mais eficazes e apropriados, este Ano da Fé ao serviço do crer e do evangelizar.

De facto, em nossos dias mais do que no passado, a fé vê-se sujeita a uma série de interrogativos, que provêm duma diversa mentalidade que, particularmente hoje, reduz o âmbito das certezas racionais ao das conquistas científicas e tecnológicas. Mas, a Igreja nunca teve medo de mostrar que não é possível haver qualquer conflito entre fé e ciência autêntica, porque ambas tendem, embora por caminhos diferentes, para a verdade (Cf. João Paulo II, Carta enc. Fides et ratio (14 de Setembro de 1998), 34.106: AAS 91 (1999), 31-32.86-87).

13. Será decisivo repassar, durante este Ano, a história da nossa fé, que faz ver o mistério insondável da santidade entrelaçada com o pecado. Enquanto a primeira põe em evidência a grande contribuição que homens e mulheres prestaram para o crescimento e o progresso da comunidade com o testemunho da sua vida, o segundo deve provocar em todos uma sincera e contínua obra de conversão para experimentar a misericórdia do Pai, que vem ao encontro de todos.

Ao longo deste tempo, manteremos o olhar fixo sobre Jesus Cristo, «autor e consumador da fé» (Heb 12, 2): n’Ele encontra plena realização toda a ânsia e anélito do coração humano. A alegria do amor, a resposta ao drama da tribulação e do sofrimento, a força do perdão face à ofensa recebida e a vitória da vida sobre o vazio da morte, tudo isto encontra plena realização no mistério da sua Encarnação, do seu fazer-Se homem, do partilhar connosco a fragilidade humana para a transformar com a força da sua ressurreição. N’Ele, morto e ressuscitado para a nossa salvação, encontram plena luz os exemplos de fé que marcaram estes dois mil anos da nossa história de salvação.

Pela fé, Maria acolheu a palavra do Anjo e acreditou no anúncio de que seria Mãe de Deus na obediência da sua dedicação (cf. Lc 1, 38). Ao visitar Isabel, elevou o seu cântico de louvor ao Altíssimo pelas maravilhas que realizava em quantos a Ele se confiavam (cf. Lc 1, 46-55). Com alegria e trepidação, deu à luz o seu Filho unigénito, mantendo intacta a sua virgindade (cf. Lc 2, 6-7). Confiando em José, seu Esposo, levou Jesus para o Egipto a fim de O salvar da perseguição de Herodes (cf. Mt 2, 13-15). Com a mesma fé, seguiu o Senhor na sua pregação e permaneceu a seu lado mesmo no Gólgota (cf. Jo 19, 25-27). Com fé, Maria saboreou os frutos da ressurreição de Jesus e, conservando no coração a memória de tudo (cf. Lc 2, 19.51), transmitiu-a aos Doze reunidos com Ela no Cenáculo para receberem o Espírito Santo (cf. Act 1, 14; 2, 1-4).

Pela fé, os Apóstolos deixaram tudo para seguir o Mestre (cf. Mc 10, 28). Acreditaram nas palavras com que Ele anunciava o Reino de Deus presente e realizado na sua Pessoa (cf. Lc 11, 20). Viveram em comunhão de vida com Jesus, que os instruía com a sua doutrina, deixando-lhes uma nova regra de vida pela qual haveriam de ser reconhecidos como seus discípulos depois da morte d’Ele (cf. Jo 13, 34-35). Pela fé, foram pelo mundo inteiro, obedecendo ao mandato de levar o Evangelho a toda a criatura (cf. Mc 16, 15) e, sem temor algum, anunciaram a todos a alegria da ressurreição, de que foram fiéis testemunhas.

Pela fé, os discípulos formaram a primeira comunidade reunida à volta do ensino dos Apóstolos, na oração, na celebração da Eucaristia, pondo em comum aquilo que possuíam para acudir às necessidades dos irmãos (cf. Act 2, 42-47).

Pela fé, os mártires deram a sua vida para testemunhar a verdade do Evangelho que os transformara, tornando-os capazes de chegar até ao dom maior do amor com o perdão dos seus próprios perseguidores.

Pela fé, homens e mulheres consagraram a sua vida a Cristo, deixando tudo para viver em simplicidade evangélica a obediência, a pobreza e a castidade, sinais concretos de quem aguarda o Senhor, que não tarda a vir. Pela fé, muitos cristãos se fizeram promotores de uma acção em prol da justiça, para tornar palpável a palavra do Senhor, que veio anunciar a libertação da opressão e um ano de graça para todos (cf. Lc 4, 18-19).

Pela fé, no decurso dos séculos, homens e mulheres de todas as idades, cujo nome está escrito no Livro da vida (cf. Ap 7, 9; 13, 8), confessaram a beleza de seguir o Senhor Jesus nos lugares onde eram chamados a dar testemunho do seu ser cristão: na família, na profissão, na vida pública, no exercício dos carismas e ministérios a que foram chamados.

Pela fé, vivemos também nós, reconhecendo o Senhor Jesus vivo e presente na nossa vida e na história.

14. O Ano da Fé será uma ocasião propícia também para intensificar o testemunho da caridade. Recorda São Paulo: «Agora permanecem estas três coisas: a fé, a esperança e a caridade; mas a maior de todas é a caridade» (1 Cor 13, 13). Com palavras ainda mais incisivas – que não cessam de empenhar os cristãos –, afirmava o apóstolo Tiago: «De que aproveita, irmãos, que alguém diga que tem fé, se não tiver obras de fé? Acaso essa fé poderá salvá-lo? Se um irmão ou uma irmã estiverem nus e precisarem de alimento quotidiano, e um de vós lhes disser: “Ide em paz, tratai de vos aquecer e de matar a fome”, mas não lhes dais o que é necessário ao corpo, de que lhes aproveitará? Assim também a fé: se ela não tiver obras, está completamente morta. Mais ainda! Poderá alguém alegar sensatamente: “Tu tens a fé, e eu tenho as obras; mostra-me então a tua fé sem obras, que eu, pelas minhas obras, te mostrarei a minha fé”» (Tg 2, 14-18).

A fé sem a caridade não dá fruto, e a caridade sem a fé seria um sentimento constantemente à mercê da dúvida. Fé e caridade reclamam-se mutuamente, de tal modo que uma consente à outra de realizar o seu caminho. De facto, não poucos cristãos dedicam amorosamente a sua vida a quem vive sozinho, marginalizado ou excluído, considerando-o como o primeiro a quem atender e o mais importante a socorrer, porque é precisamente nele que se espelha o próprio rosto de Cristo. Em virtude da fé, podemos reconhecer naqueles que pedem o nosso amor o rosto do Senhor ressuscitado. «Sempre que fizestes isto a um dos meus irmãos mais pequeninos, a Mim mesmo o fizestes» (Mt 25, 40): estas palavras de Jesus são uma advertência que não se deve esquecer e um convite perene a devolvermos aquele amor com que Ele cuida de nós. É a fé que permite reconhecer Cristo, e é o seu próprio amor que impele a socorrê-Lo sempre que Se faz próximo nosso no caminho da vida. Sustentados pela fé, olhamos com esperança o nosso serviço no mundo, aguardando «novos céus e uma nova terra, onde habite a justiça» (2 Ped 3, 13; cf. Ap 21, 1).

15. Já no termo da sua vida, o apóstolo Paulo pede ao discípulo Timóteo que «procure a fé» (cf. 2 Tm 2, 22) com a mesma constância de quando era novo (cf. 2 Tm 3, 15). Sintamos este convite dirigido a cada um de nós, para que ninguém se torne indolente na fé. Esta é companheira de vida, que permite perceber, com um olhar sempre novo, as maravilhas que Deus realiza por nós. Solícita a identificar os sinais dos tempos no hoje da história, a fé obriga cada um de nós a tornar-se sinal vivo da presença do Ressuscitado no mundo. Aquilo de que o mundo tem hoje particular necessidade é o testemunho credível de quantos, iluminados na mente e no coração pela Palavra do Senhor, são capazes de abrir o coração e a mente de muitos outros ao desejo de Deus e da vida verdadeira, aquela que não tem fim.

Que «a Palavra do Senhor avance e seja glorificada» (2 Ts 3, 1)! Possa este Ano da Fé tornar cada vez mais firme a relação com Cristo Senhor, dado que só n’Ele temos a certeza para olhar o futuro e a garantia dum amor autêntico e duradouro. As seguintes palavras do apóstolo Pedro lançam um último jorro de luz sobre a fé: «É por isso que exultais de alegria, se bem que, por algum tempo, tenhais de andar aflitos por diversas provações; deste modo, a qualidade genuína da vossa fé – muito mais preciosa do que o ouro perecível, por certo também provado pelo fogo – será achada digna de louvor, de glória e de honra, na altura da manifestação de Jesus Cristo. Sem O terdes visto, vós O amais; sem O ver ainda, credes n’Ele e vos alegrais com uma alegria indescritível e irradiante, alcançando assim a meta da vossa fé: a salvação das almas» (1 Ped 1, 6-9). A vida dos cristãos conhece a experiência da alegria e a do sofrimento. Quantos Santos viveram na solidão! Quantos crentes, mesmo em nossos dias, provados pelo silêncio de Deus, cuja voz consoladora queriam ouvir! As provas da vida, ao mesmo tempo que permitem compreender o mistério da Cruz e participar nos sofrimentos de Cristo (cf. Cl 1, 24) , são prelúdio da alegria e da esperança a que a fé conduz: «Quando sou fraco, então é que sou forte» (2 Cor 12, 10). Com firme certeza, acreditamos que o Senhor Jesus derrotou o mal e a morte. Com esta confiança segura, confiamo-nos a Ele: Ele, presente no meio de nós, vence o poder do maligno (cf. Lc 11, 20); e a Igreja, comunidade visível da sua misericórdia, permanece n’Ele como sinal da reconciliação definitiva com o Pai.

À Mãe de Deus, proclamada «feliz porque acreditou» (cf. Lc 1, 45), confiamos este tempo de graça.

Dado em Roma, junto de São Pedro, no dia 11 de Outubro do ano 2011, sétimo de Pontificado.

 

 

 

Quarta-feira, 03 de outubro de 2012, 11h24

Catequese de Bento XVI - Oração Litúrgica - 03/10/2012

Boletim da Santa Sé
 


CATEQUESE
Praça São Pedro - Vaticano
3 de outubro de 2012


Caros irmãos e irmãs,

Na catequese passada comecei a falar de uma das fontes privilegiadas da oração cristã: a sagrada liturgia, que – como afirma o Catecismo da Igreja Católica – é “participação da oração de Cristo, dirigida ao Pai no Espírito Santo. Na liturgia toda oração cristã encontra a sua fonte e o seu fim” (n. 1073). Hoje gostaria que nos perguntássemos: na minha vida, reservo um espaço suficiente para a oração e, sobretudo, que lugar tem na minha relação com Deus a oração litúrgica, em especial a Santa Missa, como participação na oração comum do Corpo de Cristo que é a Igreja?

Na resposta a esta pergunta devemos recordar antes de tudo que a oração é a relação viva dos filhos de Deus com o seu Pai infinitamente bom, com seu Filho Jesus Cristo e com o Espírito Santo (cfr ibid., 2565). Assim, a vida de oração consiste no estar habitualmente na presença de Deus e ter consciência de viver a relação com Deus como se vivem as relações habituais da nossa vida, aquelas com os familiares mais queridos, com os verdadeiros amigos; e mais: aquela com o Senhor é a relação que dá luz a todos os nossos outros relacionamentos. Essa comunhão de vida com Deus, Uno e Trino, é possível porque por meio do Batismo somos inseridos em Cristo, começamos a ser uma só coisa com Ele. (cfr Rm 6,5).

Com efeito, somente em Cristo podemos dialogar com Deus Pai como filhos, caso contrário não é possível, mas em comunhão com o Filho podemos também dizermos nós como disse Ele: “Abba”. Em comunhão com Cristo podemos conhecer Deus como Pai verdadeiro (cfr Mt 11,27). Por isso a oração cristã consiste em olhar constantemente e de maneira sempre nova a Cristo, falar com Ele, estar em silêncio com Ele, escutá-Lo, agir e sofrer com Ele. O cristão redescobre a sua verdadeira identidade em Cristo, “primogênito de cada criatura”, no qual existem todas as coisas (cfr Col 1,15ss). No identificar-me com Ele, no ser uma só coisa com Ele, redescubro a minha identidade pessoal, aquela de verdadeiro filho que olha para Deus como a um Pai cheio de amor.

Mas não nos esqueçamos: descobrimos Cristo, O conhecemos como Pessoa vivente, na Igreja. Ela é o “seu Corpo”. Tal corporeidade pode ser compreendida a partir das palavras bíblicas sobre o homem e sobre a mulher: os dois serão uma só carne (cfr Gn 2,24; Ef 5,30ss.; 1 Cor 6,16s). O vínculo indissolúvel entre Cristo e a Igreja, através da força unificadora do amor, não anula o “tu” e o “eu”, mas eleva-os a sua unidade mais profunda. Encontrar a própria identidade em Cristo significa chegar a uma comunhão com Ele, que não me anula, mas me eleva à dignidade mais alta, aquela de filho de Deus em Cristo: “a história de amor entre Deus e o homem consiste precisamente no fato de que esta comunhão de vontade cresce em comunhão de pensamento e de sentimento e, assim, o nosso querer e a vontade de Deus coincidem cada vez mais” (Enc. Deus caritas est, 17). Rezar significa elevar-se a Deus, mediante uma necessária e gradual transformação do nosso ser.

Assim, participando da liturgia, façamos nossa a linguagem da mãe Igreja, aprendamos a falar nela e para ela. Naturalmente, como eu já disse, isto acontece de modo gradual, pouco a pouco. Preciso mergulhar progressivamente nas palavras da Igreja, com a minha oração, com a minha vida, com o meu sofrimento, com a minha alegria, com o meu pensamento. É um caminho que nos transforma.

Penso então que essas reflexões nos permitem responder à pergunta que nos fizemos no início: como aprendo a rezar, como cresço na minha oração? Olhando para o modelo que nos ensinou Jesus, o Pai Nosso, nós vemos que a primeira palavra é “Pai” e a segunda é “nosso”. A resposta, assim é clara: aprendo a rezar, alimento a minha oração, dirigindo-me a Deus como Pai e rezando com outros, rezando com a Igreja, aceitando o dom de suas palavras, que se tornam pouco a pouco familiares e ricas em significado. O diálogo que Deus estabelece com cada um de nós, e nós com Ele, na oração inclui sempre um “com”; não se pode rezar a Deus de modo individualista. Na oração litúrgica, sobretudo na Eucaristia, e – formado pela liturgia – em cada oração, não falamos somente como pessoas individuais, mas entramos no “nós” pela Igreja que reza. E devemos transformar o nosso “eu” entrando neste “nós”.

Gostaria de atentar para um outro aspecto importante. No Catecismo da Igreja Católica lemos: “na liturgia da Nova Aliança, cada ação litúrgica, especialmente a celebração da Eucaristia e dos sacramentos, é um encontro entre Cristo e a Igreja” (n. 1097); assim, é o “Cristo total”, toda a comunidade, o Corpo de Cristo unido à sua Cabeça que celebra. A liturgia então não é uma espécie de “auto-manifestação” de uma comunidade, mas é a saída do simplesmente "ser para si mesmo", ser fechado em si próprio para o acesso ao grande banquete, à entrada na grande comunidade viva, na qual o próprio Deus nos nutre. A liturgia implica universalidade e esse caráter universal deve entrar sempre de novo na consciência de todos. A liturgia cristã é o culto do templo universal que é Cristo Ressuscitado, cujos braços estão estendidos na cruz para atrair todos no abraço do amor eterno de Deus. É o culto do céu aberto. Não é nunca somente o evento de uma comunidade individual, com sua inserção no tempo e no espaço. É importante que cada cristão sinta-se e seja realmente inserido neste “nós” universal, que fornece o fundamento e o refúgio ao “eu”, no Corpo de Cristo que é a Igreja.

Nisto devemos ter presente e aceitar a lógica da encarnação de Deus: Ele se fez próximo, presente, entrando na história e na natureza humana, fazendo-se um de nós. E esta presença continua na Igreja, seu Corpo. A liturgia então não é a memória de eventos passados, mas é a presença viva do Mistério Pascal de Cristo que transcende e une os tempos e os espaços. Se na celebração não emerge a centralidade de Cristo, não temos a liturgia cristã, totalmente dependente do Senhor e sustentada pela sua presença criadora. Deus age por meio de Cristo e nós não podemos agir a não ser por meio dele e nele. A cada dia deve crescer em nós a convicção de que a liturgia não é um nosso, um meu “fazer”, mas é ação de Deus em nós e conosco.

Assim, não é o indivíduo – sacerdotes ou fiel – ou o grupo que celebra a liturgia, mas essa é primeiramente ação de Deus através da Igreja, que tem sua história, a sua rica tradição e a sua criatividade. Essa universalidade e abertura fundamental, que é própria de toda a liturgia, é uma das razões pelas quais essa não se pode ser idealizada ou modificada pela comunidade individual ou por especialistas, mas deve ser fiel às formas da Igreja universal.

Também na liturgia da menor comunidade está sempre presente a Igreja inteira. Por isso não existem “estrangeiros” na comunidade litúrgica. Em cada celebração litúrgica participa junto toda a Igreja, céu e terra, Deus e os homens. A liturgia cristã também se celebra em um lugar e em um espaço concreto e expressa o “sim” de uma determinada comunidade, por sua natureza católica, provém de todos e conduz a todos, em unidade com o Papa, com os Bispos, com os crentes de todas as épocas e de todos os lugares. Quanto mais uma celebração é animada por esta consciência, mais frutuosamente se realiza nela o sentido autêntico da liturgia.

Caros amigos, a Igreja torna-se visível de vários modos: na ação caritativa, nos projetos de missão, no apostolado pessoal que cada cristão deve realizar no próprio ambiente. No entanto, o lugar no qual a igreja é experimentada plenamente é na liturgia: essa é o ato no qual acreditamos que Deus entra na nossa realidade e nós podemos encontrá-Lo, podemos tocá-Lo. É o ato no qual entramos em contato com Deus: Ele vem a nós, e nós somos iluminados por Ele. Por isso, quando nas reflexões sobre liturgia nós centramos a nossa atenção somente sobre como torná-la atraente, interessante, bonita, corremos o risco de esquecer o essencial: a liturgia se celebra por Deus e não por nós mesmos; é obra sua; é Ele o sujeito; e nós devemos nos abrir a Ele e nos deixar guiar por Ele e pelo seu Corpo que é a Igreja.

Peçamos ao Senhor para aprendermos a cada dia a viver a sagrada liturgia, especialmente a Celebração Eucarística, rezando no “nós” da Igreja, que dirige o seu olhar não para si mesma, mas para Deus, e nos sentindo parte da Igreja viva de todos os lugares e todos os tempos. Obrigado.



 




 

 

 

 

Domingo, 16 de setembro de 2012, 10h44

Discurso do Papa na entrega da Exortação Apostólica - 16/09/2012


Boletim da Santa Sé


DISCURSO
Viagem Apostólica de Bento XVI ao Líbano
City Center Waterfront de Beirute
Domingo, 16 de setembro de 2012


Suas Beatitudes, Senhores Cardeais,
Amados Irmãos no Episcopado e no Sacerdócio,
Queridos irmãos e irmãs em Cristo!

A celebração litúrgica que vivemos permitiu-nos dar graças ao Senhor pelo dom da Assembleia Especial para o Médio Oriente do Sínodo dos Bispos, que teve lugar em Outubro de 2010 sobre o tema: "A Igreja Católica no Médio Oriente, comunhão e testemunho. "A multidão dos que haviam abraçado a fé tinha um só coração e uma só alma" (Act 4, 32)". Quero agradecer a todos os Padres sinodais pela sua contribuição. A minha gratidão vai também para o Secretário-Geral do Sínodo dos Bispos, D. Eterović, pelo trabalho realizado e pelas palavras que me dirigiu em vosso nome.

Depois de ter assinado a Exortação apostólica pós-sinodal Ecclesia in Medio Oriente, tenho agora a alegria de a entregar a todas as Igrejas particulares na pessoa de todos vós, Beatitudes e Bispos orientais e latinos do Médio Oriente. Com a entrega deste documento, começa o seu estudo e assimilação por todos os protagonistas da Igreja, pastores, pessoas consagradas e leigos, para que cada um encontre uma nova alegria em continuar a sua missão, sentindo-se encorajado e fortalecido a pôr em prática a mensagem de comunhão e testemunho apresentada sob os vários aspectos humanos, doutrinais, eclesiológicos, espirituais e pastorais desta Exortação. Queridos irmãos e irmãs do Líbano e do Médio Oriente, espero que esta Exortação seja uma guia para avançar nos caminhos multiformes e complexos por onde Cristo vos precede. Possa a comunhão na fé, esperança e caridade ser reforçada nos vossos países e em cada comunidade para dar credibilidade ao testemunho que prestais ao único que é Santo, Deus Uno e Trino, que Se fez próximo de cada homem.

Amada Igreja presente no Médio Oriente, bebe na seiva original da Salvação que se realizou nesta Terra única e amada entre todas. Avança pela senda de teus pais na fé, daqueles que abriram, com a sua constância e fidelidade, o caminho da resposta da humanidade à Revelação de Deus. Encontra, na diversidade magnífica de santos que floresceram em ti, os exemplos e intercessores que hão-de inspirar a tua resposta ao apelo do Senhor a caminhar para a Jerusalém celeste, onde Deus enxugará todas as lágrimas dos nossos olhos (cf. Ap 21, 4). Oxalá a comunhão fraterna seja um apóio na vida diária e o sinal da fraternidade universal que Jesus, Primogênito duma multidão, veio instaurar! Assim, nesta região, que viu os atos e recolheu as palavras d’Ele, possa o Evangelho continuar a ressoar como há 2000 anos e seja vivido hoje e sempre. Obrigado!


 

 

Domingo, 16 de setembro de 2012, 13h08

Discurso do Papa na cerimônia de despedida do Líbano - 16/09/12


Boletim de Imprensa da Santa Sé


DISCURSO
Viagem Apostólica de Bento XVI ao Líbano
Aeroporto Internacional Rafiq Hariri de Beirut
Domingo, 16 de setembro de 2012


Senhor Presidente da República,
Senhores Presidentes do Parlamento e do Conselho de Ministros,
Suas Beatitudes, amados Irmãos no Episcopado,
Ilustres Autoridades civis e religiosas,
Queridos amigos!

Chegado o momento da partida, é com pena que deixo este querido Líbano. Agradeço-lhe, Senhor Presidente, as suas palavras e o ter favorecido, com o Governo cujos Representantes saúdo, a organização dos diversos acontecimentos que marcaram a minha presença no vosso meio, assistida de forma notável pela eficiência dos diversos serviços da República e do setor privado. Agradeço também ao Patriarca Béchara Boutros Raï e a todos os Patriarcas presentes bem como aos Bispos orientais e latinos, aos presbíteros e aos diáconos, aos religiosos e religiosas, aos seminaristas e aos fiéis que se deslocaram para me receber. Visitando-vos, é como se Pedro viesse ter convosco, e vós recebestes Pedro com a cordialidade que caracteriza as vossas Igrejas e a vossa cultura.

Os meus agradecimentos dirigem-se de modo particular para todo o povo libanês, que forma um belo e rico mosaico e que soube manifestar ao Sucessor de Pedro o seu entusiasmo, graças à contribuição multiforme e específica de cada comunidade. Agradeço cordialmente às veneráveis Igrejas irmãs e às comunidades protestantes. Agradeço de modo particular aos representantes das comunidades muçulmanas. Durante toda a minha estadia, pude constatar quanto a vossa presença contribuiu para o bom êxito da minha viagem. O mundo árabe e o mundo inteiro verão, nestes tempos conturbados, cristãos e muçulmanos reunidos para celebrar a paz. É tradicional no Médio Oriente receber o hóspede de passagem com consideração e respeito, e assim o fizestes. A todos agradeço. Mas, à consideração e ao respeito, juntastes um complemento, que se pode comparar a uma daquelas famosas especiarias orientais que enriquece o sabor dos alimentos: o vosso calor e o vosso coração, que me deixaram o desejo de voltar. Eu vo-lo agradeço de forma particular. Deus vos abençoe por isso.

Durante a minha breve estadia, motivada principalmente pela assinatura e entrega da Exortação apostólica Ecclesia in Medio Oriente, pude encontrar os diversos componentes da vossa sociedade. Houve momentos mais oficiais, outros mais íntimos, momentos de alta densidade religiosa e fervorosa oração, e outros ainda marcados pelo entusiasmo da juventude. Dou graças a Deus por estas oportunidades que Ele permitiu, pelos encontros qualificados que pude ter, e pela oração que foi feita por todos e a favor de todos no Líbano e no Médio Oriente, independentemente da origem ou da confissão religiosa de cada um.

Na sua sabedoria, Salomão fez apelo a Hiram de Tiro para o ajudar na construção duma casa ao nome de Deus, um santuário para a eternidade (cf. Sir 47, 13). E Hiram, que evoquei à minha chegada, enviou madeira dos cedros do Líbano (cf. 1 Rs 5, 22). Todo o interior do Templo era revestido de cedro em tábuas entalhadas com flores e frutos (cf. 1 Rs 6, 18). O Líbano estava presente no santuário de Deus. Oxalá o Líbano de hoje, com os seus habitantes, continue a estar presente no santuário de Deus. Possa o Líbano continuar a ser um espaço onde os homens e as mulheres vivam em harmonia e paz uns com os outros, para darem ao mundo, não apenas o testemunho da existência de Deus – primeiro tema do Sínodo passado – mas igualmente o da comunhão entre os homens – segundo tema do Sínodo –, qualquer que seja a sua sensibilidade política, comunitária e religiosa.

Rezo a Deus pelo Líbano, para que viva em paz e resista com coragem a tudo o que poderia destrui-la ou ameaçá-la. Desejo que o Líbano continue a permitir a pluralidade das tradições religiosas e a não dar ouvidos à voz daqueles que a querem impedir. Espero que o Líbano reforce a comunhão entre todos os seus habitantes, seja qual for a comunidade e religião a que pertençam, rejeitando decididamente tudo o que poderia levar à desunião e optando com determinação pela fraternidade. Estas são as flores agradáveis a Deus, virtudes que são possíveis e conviria consolidá-las com um enraizamento ainda maior.

A Virgem Maria, venerada com devoção e ternura pelos fiéis das confissões religiosas aqui presentes, é um modelo seguro para avançar com esperança pelo caminho duma fraternidade vivida e autêntica. Bem o compreendeu o Líbano, ao proclamar há algum tempo o dia 25 de Março como feriado, permitindo assim a todos os seus habitantes poder viver em medida crescente a sua unidade na serenidade. Que a Virgem Maria, cujos santuários antigos são tão numerosos no vosso país, continue a acompanhar-vos e a inspirar-vos.

Deus abençoe o Líbano e todos os libaneses. Que Ele não cesse de atraí-los a Si para lhes conceder a vida eterna. Que Ele os cumule da sua alegria, da sua paz e da sua luz. Deus abençoe todo o Médio Oriente. Sobre cada um e cada uma de vós, invoco de todo o coração a abundância das bênçãos divinas. « لِيُبَارِك الربُّ جميعَكُم » [Deus vos abençoe a todos].

 

 

Catequese de Bento XVI - 08/08/2012

Boletim da Santa Sé



CATEQUESE
Castel Gandolfo
Quarta-feira, 8 de agosto de 2012

Caros irmãos e irmãs,
 

Hoje a Igreja celebra a memória de São Domingos de Gusmão, sacerdote e fundador da Ordem dos Pregadores, os Dominicanos. Em uma catequese anterior eu abordei esta nobre figura e a fundamental contribuição que ele deu à renovação da Igreja de seu tempo. Hoje, eu gostaria de trazer à tona um aspecto essencial de sua espiritualidade: a vida de oração. São Domingos era um homem de oração. Apaixonado por Deus, não teve outra aspiração que a salvação das almas, especialmente aquelas caídas nas redes das heresias de seu tempo. Imitador de Cristo, encarnou radicalmente os três conselhos evangélicos, unindo à proclamação da Palavra o testemunho de uma vida pobre. Sob a inspiração do Espírito Santo, progrediu no caminho da perfeição cristã. Em todos os momentos, a oração era a força que o renovava e tornava sempre mais fecunda a sua obra apostólica.
 

O Beato Jordão da Saxônia, que morreu em 1237, sucessor de São Domingos como líder da Ordem, escreve assim: “Durante o dia, ninguém se mostrava mais amigável que ele... Por outro lado, à noite, ninguém foi mais assíduo que ele na oração. O dia, dedicava ao próximo e, a noite, dava a Deus.” (P. Filippini, São Domingos visto por seus contemporâneos, Bolonha 1982, pg. 133). Em São Domingos, podemos ver um exemplo de integração harmoniosa entre a contemplação dos mistérios divinos e a atividade apostólica. De acordo com o testemunho de pessoas mais próximas, “ele falava sempre com Deus ou de Deus.” Tal observação indica a sua profunda comunhão com o Senhor e, ao mesmo tempo, o compromisso contínuo de levar os outros a essa comunhão com Deus. Não deixou escrito sua oração, mas a tradição Dominicana reuniu e transmitiu sua experiência viva em um obra intitulada: As nove maneiras de rezar de São Domingos. Este livro foi elaborado entre 1260 e 1288 por um frade dominicano. Ele nos ajuda a compreender algo da vida interior do santo e também ajuda-nos, com todas as diferenças, a aprender algo sobre como rezar.
 

São, portanto, nove maneiras de orar de acordo com São Domingos e cada uma delas, que realizava sempre diante de Jesus Crucificado, expressa uma atitude corporal e espiritual que, se intimamente compenetrados, favorece-nos o recolhimento e o fervor. Os primeiros sete modos seguem uma linha ascendente, como passos de uma jornada rumo à comunhão com Deus, com a Santíssima Trindade: São Domingos reza em pé, inclinado para exprimir humildade, deitado no chão para pedir perdão por seus pecados, de joelhos penitenciando-se para participar dos sofrimentos do Senhor, com os braços abertos olhando para o crucifixo para contemplar o Amor Supremo e olhando para o céu, sentindo-se atraído ao mundo de Deus. Então são três formas: em pé, ajoelhado, deitado no chão, mas Sempre com o olhar voltado para o Senhor Crucificado. Os dois últimos aspectos, no entanto, que gostaria de abordar brevemente, correspondem a duas práticas de piedade geralmente vividas pelo santo. Antes de tudo, a meditação pessoal, em que a oração adquire uma dimensão ainda mais íntima, fervorosa e tranquilizante. No final da recitação da Liturgia das Horas e após a celebração da Missa, São Dominingos prolongava a conversa com Deus, sem estabelecer um limite de tempo. Sentado calmamente, recolhia-se numa atitude de escuta, lendo um livro ou olhando para o crucifixo. Viveu tão intensamente estes momentos de relacionamento com Deus que aparentemente era possível compreender suas reações de alegria ou de lágrimas. Assim, assimilou a si mesmo, meditando a realidade da fé. Testemunhas dizem que, às vezes, entrava em uma espécie de êxtase, com o rosto transfigurado, mas logo retomava suas atividades diárias, humildemente revigorado pela força que vem do alto. Também a oração: enquanto viajava de um convento ao outro, recitava as Laudes, ao meio-dia, as Vésperas com os colegas e, cruzando os vales ou colinas, contemplava a beleza da criação. De seu coração jorrava um hino de louvor e agradecimento a Deus por tantas graças, especialmente a maravilha maior: a redenção feita por Cristo.
 

Caros amigos, Domingos lembra-nos que, na origem do testemunho de fé, o que todo cristão deve viver em família, no trabalho, na vida social, e até mesmo em momentos de relaxamento, é a oração o contato pessoal com Deus e só este relacionamento real com Deus nos dá força para viver intensamente cada situação, especialmente os momentos mais sofridos. Este santo nos lembra também a importância das atitudes externas em nossas orações. O ajoelhar-se, o permanecer em pé diante do Senhor, fixar o olhar no crucifixo, parar e se recolher em silêncio não são atitudes secundárias, mas nos ajuda a nos questionar interiormente, com toda a pessoa, em relação com Deus. Quero recordar mais uma vez, para a nossa vida espiritual, a necessidade de encontrar diariamente momentos de oração com tranquilidade. Devemos aproveitar este momento especialmente durante os momentos de férias, reservar um pouco de tempo para conversar com Deus. Será também uma maneira de ajudar aqueles que nos são mais próximos a entrar nos raios luminosos da presença de Deus, que traz paz e o amor que todos nós precisamos. Obrigado.

 

 

 

Domingo, 20 de maio de 2012, 11h45

Bento XVI explica solenidade da Ascensão do Senhor


Da Redação, com Rádio Vaticano


Reuters
Papa abençoa peregrinos reunidos na Praça São Pedro, no Vaticano

Fiéis e peregrinos compareceram em grande número à praça São Pedro, no Vaticano, para ouvir as palavras do Papa Bento XVI, no Angelus deste domingo, 20, e receber a sua benção.

Bento XVI falou aos presentes sobre a Ascensão do Senhor, ressaltando que o acontecimento “assinala o cumprir-se da salvação, iniciada com a Encarnação”. Ele explicou que ao ascender aos céus, Jesus não abandonou a humanidade, pelo contrário, “assumiu consigo os homens na intimidade do Pai e assim revelou o destino final da nossa peregrinação terrena”.

“A Ascensão é o último ato da nossa libertação do peso do pecado”, disse o Papa, que acrescentou: “Por isso os discípulos, quando viram o Mestre levantar-se da terra e elevar-se para o alto, não foram tomados pelo desconforto, mas sentiram uma grande alegria e sentiram-se encorajados a proclamar a vitória de Cristo sobre a morte" (cfr Mc 16,20).

Sobre o significado da Ascensão, o Santo Padre explicou que esse gesto do senhor, revela que "em Cristo a nossa humanidade é levada às alturas de Deus, assim, a cada vez que rezamos, a terra une-se ao Céu. E como o incenso, queimando, faz subir às alturas a sua fumaça de suave perfume, de forma que, quando elevamos ao Senhor a nossa fervorosa e confiante oração, em Cristo, ela atravessa os céus e alcança o Reino de Deus, é por ele ouvida e atendida”.

Por fim, o Papa citou a obra de São João da Cruz, a Subida ao Monte Carmelo: “para ver realizados os desejos do nosso coração, não há modo melhor que colocar a força da nossa oração naquilo que agrada a Deus. Então ele nos dará não somente o que pedimos, ou seja, a salvação, mas também o que considerar que seja conveniente e bom para nós”.

O Papa lembrou então dois eventos trágicos ocorridos na Itália nas últimas 24 horas: um atentado a uma escola da cidade de Brindisi e o terremoto desta madrugada que atingiu a região italiana da Emília Romagna deixando, até o momento, um saldo de seis mortes. O Santo Padre manifestou sua proximidade às vítimas e aos seus familiares.

Como sempre faz, Bento XVI saudou os presentes nas suas diversas línguas. Em português, disse: "Saúdo os peregrinos de língua portuguesa, em particular o grupo brasileiro da paróquia Nossa Senhora Aparecida de Piabetá, a quem agradeço o apoio espiritual e material que dão ao meu serviço de Sucessor de Pedro. Sobre todos invoco os dons do Espírito Santo, para serem verdadeiros discípulos de Jesus Cristo, fazendo jorrar a sua Vida no meio das respectivas famílias e comunidades, que de coração abençôo"

 


Regina Coeli

Praça de São Pedro
Vaticano

Domingo, 15 de abril de 2012

Todos os anos, celebrando a Páscoa, nós revivemos a experiência dos primeiros discípulos de Jesus, a experiência do encontro com o Ressuscitado: narra o Evangelho de João que eles viram aparecer no meio deles, no cenáculo, na noite do dia da ressurreição, “o primeiro da semana”, e “oito dias depois” (Jo 20, 19.26). Aquele dia, chamado depois de “domingo”, “dia do Senhor”, é o dia da assembléia, da comunidade cristã que se reune para seu culto próprio, isto é, a Eucaristia, culto novo e diferente daquele judaico do sábado. De fato, a celebração do Dia do Senhor é uma prova muito forte da Ressurreição de Cristo, porque somente um acontecimento extraordinário e envolvente poderia levar os primeiros cristãos a iniciar um culto diferente em relação ao do sábado hebraico.

Então, como hoje, o culto cristão não é somente a comemoração de eventos passados, e nem mesmo uma experiência mística particular, interior, mas essencialmente um encontro com o Senhor ressuscitado, que vive na dimensão de Deus, além do tempo e do espaço, e todavia se faz realmente presente na comunidade, nos fala nas Sagradas Escrituras e parte para nós o Pão da Vida Eterna. Através destes sinais nós vivemos aquilo que experimentaram os discípulos, isto é, o fato de ver Jesus e ao mesmo tempo de não reconhece-lo, de tocar o seu corpo, um corpo verdadeiro, mas livre das ligações terrenas.

É muito importante aquilo ao qual se refere o Evangelho, isto é, que Jesus nas suas aparições aos Apóstolos reunidos no cenáculo, repetiu muitas vezes a saudação “A paz esteja convosco” (Jo 20,19.21.26). A saudação tradicional, com a qual nos deseja o Shalom, a paz, se torna ali algo novo: se torna o dom daquela paz que somente Jesus pode dar, porque é fruto da sua vitória radical sobre o mal. A 'paz' que Jesus oferece aos seus amigos é o fruto do amor de Deus que o levou a morrer na cruz, a derramar todo o seu sangue, como Cordeiro manso e humilde, “cheio de graça e verdade” (Jo 1,14). Eis porque o Beato João Paulo II quis intitular este domingo depois da Páscoa da Divina Misericórdia, com um ícone bem preciso: aquele do lado aberto de Jesus, do qual escorrem sangue e água, segundo o testemunho ocular do apóstolo João (Jo 19,34-37). Mas, de uma vez por todas Jesus é ressuscitado, e dele brotam os Sacramentos pascais do batismo e da Eucaristia: quem se aproxima deles com fé recebe o dom da vida eterna.
Queridos irmãos e irmãs, acolhamos o dom da paz que nos oferece Jesus ressuscitado, deixemos que o nosso coração se encha da sua misericórdia! Desde modo, com a força do Espírito Santo, o Espírito que ressuscitou Cristo dos mortos, também nós possamos levar aos outros estes dons pascais. Que isso nos obtena Maria Santíssima, Mãe da Misericórdia.

 

 

Mensagem Bento XVI - Urbi et Orbi - 08/04/2012  - Páscoa.

 

Boletim da Santa Sé


 

Mensagem
Benção Urbi et Orbi
Praça de São Pedro
Domingo, 8 de abril de 2012

 

Amados irmãos e irmãs de Roma e do mundo inteiro!

«Surrexit Christus, spes mea – Ressuscitou Cristo, minha esperança» (Sequência Pascal).

A todos vós chegue a voz jubilosa da Igreja, com as palavras que um antigo hino coloca nos lábios de Maria Madalena, a primeira que encontrou Jesus ressuscitado na manhã de Páscoa. Ela correu ao encontro dos outros discípulos e, emocionada, anunciou-lhes: «Vi o Senhor!» (Jo 20, 18). Hoje também nós, depois de termos atravessado o deserto da Quaresma e os dias dolorosos da Paixão, damos largas ao brado de vitória: «Ressuscitou! Ressuscitou verdadeiramente!»

Todo o cristão revive a experiência de Maria de Magdala. É um encontro que muda a vida: o encontro como um Homem único, que nos faz sentir toda a bondade e a verdade de Deus, que nos liberta do mal, não de modo superficial e passageiro mas liberta-nos radicalmente, cura-nos completamente e restitui-nos a nossa dignidade. Eis o motivo por que Madalena chama Jesus «minha esperança»: porque foi Ele que a fez renascer, que lhe deu um futuro novo, uma vida boa, liberta do mal. «Cristo minha esperança» significa que todo o meu desejo de bem encontra n’Ele uma possibilidade de realização: com Ele, posso esperar que a minha vida se torne boa e seja plena, eterna, porque é o próprio Deus que Se aproximou até ao ponto de entrar na nossa humanidade.

Entretanto Maria de Magdala, tal como os outros discípulos, teve de ver Jesus rejeitado pelos chefes do povo, preso, flagelado, condenado à morte e crucificado. Deve ter sido insuportável ver a Bondade em pessoa sujeita à maldade humana, a Verdade escarnecida pela mentira, a Misericórdia injuriada pela vingança. Com a morte de Jesus, parecia falir a esperança de quantos confiavam n’Ele. Mas esta fé nunca desfalece de todo: sobretudo no coração da Virgem Maria, a mãe de Jesus, a pequena chama continuou acesa e viva mesmo na escuridão da noite. A esperança, neste mundo, não pode deixar de contar com a dureza do mal. Não é apenas o muro da morte a criar-lhe dificuldade, mas também e mais ainda as aguilhoadas da inveja e do orgulho, da mentira e da violência. Jesus passou através desta trama mortal, para nos abrir a passagem para o Reino da vida. Houve um momento em que Jesus aparecia derrotado: as trevas invadiram a terra, o silêncio de Deus era total, a esperança parecia reduzida a uma palavra vã.

Mas eis que, ao alvorecer do dia depois do sábado, encontram vazio o sepulcro. Depois Jesus manifesta-Se a Madalena, às outras mulheres, aos discípulos. A fé renasce mais viva e mais forte do que nunca, e já invencível porque fundada sobre uma experiência decisiva: «Morte e vida combateram, / mas o Príncipe da vida / reina vivo após a morte». Os sinais da ressurreição atestam a vitória da vida sobre a morte, do amor sobre o ódio, da misericórdia sobre a vingança: «Vi o túmulo de Cristo, / redivivo e glorioso; / vi os Anjos que o atestam, / e a mortalha com as vestes».

Amados irmãos e irmãs! Se Jesus ressuscitou, então – e só então – aconteceu algo de verdadeiramente novo, que muda a condição do homem e do mundo. Então Ele, Jesus, é alguém de quem nos podemos absolutamente fiar, confiando não apenas na sua mensagem mas n’Ele mesmo, porque o Ressuscitado não pertence ao passado, mas está presente e vivo hoje. Cristo é esperança e conforto de modo particular para as comunidades cristãs que mais são provadas com discriminações e perseguições por causa da fé. E, através da sua Igreja, está presente como força de esperança em cada situação humana de sofrimento e de injustiça.

Cristo Ressuscitado dê esperança ao Oriente Médio, para que todas as componentes étnicas, culturais e religiosas daquele Região colaborem para o bem comum e o respeito dos direitos humanos. De forma particular cesse, na Síria, o derramamento de sangue e adopte-se, sem demora, o caminho do respeito, do diálogo e da reconciliação, como é vivo desejo também da comunidade internacional. Os numerosos prófugos, originários de lá e necessitados de assistência humanitária, possam encontrar o acolhimento e a solidariedade que mitiguem as suas penosas tribulações. Que a vitória pascal encoraje o povo iraquiano a não poupar esforços para avançar no caminho da estabilidade e do progresso. Na Terra Santa, israelitas e palestinos retomem, com coragem, o processo de paz.

Vitorioso sobre o mal e sobre a morte, o Senhor sustente as comunidades cristãs do Continente Africano, conceda-lhes esperança para enfrentarem as dificuldades e torne-as obreiras de paz e artífices do progresso das sociedades a que pertencem.

Jesus Ressuscitado conforte as populações atribuladas do Corno de África e favoreça a sua reconciliação; ajude a Região dos Grandes Lagos, o Sudão e o Sudão do Sul, concedendo aos respectivos habitantes a força do perdão. Ao Mali, que atravessa um delicado momento político, Cristo Glorioso conceda paz e estabilidade. À Nigéria, que, nestes últimos tempos, foi palco de sangrentos ataques terroristas, a alegria pascal infunda as energias necessárias para retomar a construção duma sociedade pacífica e respeitadora da liberdade religiosa dos seus cidadãos.

Boa Páscoa para todos!